O Brasil se tornou uma potência agrícola global. Mas como ele chegou lá? E para onde está indo o setor de alimentos da América Latina?
Há seis anos, anunciamos um novo escritório internacional: DG Brasil, com sede em São Paulo. Naquela época, o Brasil era o quarto maior importador de alimentos do mundo e um dos principais exportadores de café, soja, açúcar e carne de aves. Nosso escritório está estrategicamente localizado no sudeste do país, garantindo a proximidade com a maior concentração de instalações de alimentos e bebidas do país.
Mas como o Brasil se tornou uma potência no setor de alimentos? O que mudou nos últimos seis anos? E como será o futuro dos alimentos na América Latina?
Uma potência agrícola
O clima da América Latina varia muito nos 7,412 milhões de mi² que compõem a massa terrestre: da quente e úmida Amazônia às condições áridas do norte do México; do deserto do Atacama ao frio e chuvoso Cabo Horn subártico. Para a maior parte da América Latina, que abrange o México, a América Central, o Caribe e a América do Sul, a combinação de calor, sol, chuvas e vastas extensões de terra arável a tornam um local ideal para a agricultura. E o Brasil, que desfruta do clima tropical da bacia amazônica em suas regiões do norte, alavancou o feliz acidente de sua localização para uma posição de potência agrícola global.

Mesmo antes de sua independência de Portugal em 1822, o Brasil era conhecido por produzir algumas das commodities favoritas da humanidade: cana-de-açúcar, café e tabaco. Em meados do século XVI, a cana-de-açúcar era o produto de exportação mais importante do Brasil... mas essa prosperidade teve um fator negativo. Para atender à crescente demanda internacional por açúcar, milhões de pessoas escravizadas da África Subsaariana foram compradas para trabalhar nos campos. Dos 12 milhões de africanos escravizados trazidos para o Novo Mundo, aproximadamente 5,5 milhões foram trazidos para o Brasil entre 1540 e a década de 1860, e o Brasil foi a última nação do mundo ocidental a abolir totalmente a escravidão, em 1888.
Com a mão de obra imigrante começando a assumir o controle, a produção de café tornou-se um grande sucesso no final do século XIX. Quase 4/5 do suprimento mundial de café vinha do Brasil. Os lucros eram altos e o consumo estava crescendo.
No entanto, a produção de café exigia mão de obra intensiva - e cara - e, na virada do século, a oferta superou a demanda devido a uma safra abundante e os preços caíram drasticamente. Na tentativa de corrigir a situação, os estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro concordaram com um programa de valorização: eles reduziriam a produção e comprariam seu próprio excedente de café para inflar artificialmente os preços. No final de 1907, São Paulo havia comprado 8,3 milhões de sacas de café e contraído uma grande dívida, e grande parte de 1908 foi dedicada a encontrar uma maneira de sair do esquema de valorização sem recorrer à falência.
Embora essa primeira valorização tenha conseguido apenas evitar que os preços caíssem ainda mais, um segundo programa de valorização em 1917, dessa vez liderado pelo governo federal, foi extremamente bem-sucedido. Entre esse programa e as exportações em tempo de guerra, o capital foi mais uma vez
e a produção estava começando a mudar para algo mais adequado à demanda em massa.
Reis da indústria (1937-2019)
O século XX foi um período tumultuado para o Brasil, a América Latina e o mundo em geral. Depois de sair da crise da década de 1930, com o poder político mudando de mãos e a Segunda Guerra Mundial se aproximando, o Brasil buscou maneiras de aumentar a produção e a educação agrícola. Uma parceria com os Estados Unidos - parte da política de "Boa Vizinhança" de Roosevelt - forneceu os meios para ambos. A industrialização, antes vista apenas em algumas áreas para ajudar no abastecimento urbano de alimentos, tornou-se o nome do jogo. Em questão de décadas, em vez de centenas de anos, o Brasil saltou de uma agricultura agrária e de subsistência para uma posição de um dos principais produtores de alimentos do mundo.
O fordismo, o sistema de produção em massa criado por Henry Ford, encontrou braços acolhedores no Brasil. Embora Fordlândia, a cidade amazônica fundada por Ford em uma tentativa de contornar o monopólio britânico da borracha, não tenha conseguido criar raízes, a adoção do fordismo em si ajudou o Brasil a impulsionar a industrialização. A agricultura e a agroindústria dependiam de equipamentos importados - equipamentos de processo, como pasteurizadores, tanques e cremeiras, não eram produzidos no Brasil até a década de 1950 - mas, nos anos do pós-guerra, políticas governamentais favoráveis, interesse em encontrar métodos de produção mais baratos e eficientes, fontes de capital ampliadas e mudanças nos padrões de consumo lançaram novas áreas de indústria alimentícia e oportunidades de industrialização.

Equipado com novas estratégias, equipamentos e educação, o Brasil fez em poucas décadas o que a maioria dos países desenvolvidos leva um século ou mais: passou de um país dependente da importação de alimentos para um país que alimenta uma grande porcentagem do resto do mundo. E, na virada do novo século, estava bem posicionado para mais uma evolução: desta vez, transformando-se de exportador de produtos agrícolas tropicais em um grande fornecedor global de commodities.
O sucesso desse novo modelo fica claro quando observamos o crescimento da receita do mercado de alimentos no Brasil, que quase triplicou entre 2010 e 2021, quando atingiu R$922B, um dos maiores faturamentos do mundo.
Celeiro do mundo
Mesmo sem incluir o processamento de alimentos, a agricultura tem sido fundamental para a economia do Brasil. O Brasil dominava os mercados de café, cana-de-açúcar e tabaco, mas, com o avanço do século XX e a consolidação do processamento industrial, a eles se juntaram a soja, a carne bovina, as nozes, o etanol de origem vegetal e muito mais.

Milho
Em 2018, o Brasil foi o terceiro maior produtor de milho do mundo e, em 2019, o milho foi o quinto produto mais importante no portfólio de exportação, representando 3,3% das exportações nacionais.
Cacau
Até o final da década de 1980, o cacau era uma das principais exportações do Brasil. Porém, um influxo de vassoura-de-bruxa, um fungo que ataca os cacaueiros e os apodrece de dentro para fora, devastou as plantações na Bahia por uma década inteira, resultando em perda de empregos e êxodo para as cidades próximas. É interessante notar que a vassoura-de-bruxa ocorre naturalmente... a cerca de 1.200 milhas de distância, na floresta amazônica. Depois que várias fazendas relataram ter encontrado galhos infectados com vassoura-de-bruxa amarrados em seus cacauais, ficou claro que o fungo não havia viajado tão longe por conta própria, mas sim que havia sido plantado em um ato de agroterrorismo. Em 2006, Luiz Henrique Franco Timóteo, partidário do Partido dos Trabalhadores (PT), de esquerda, confessou em uma entrevista a uma revista que obteve galhos doentes e os amarrou a alguns pés de cacau. Seu objetivo era prejudicar os muito ricos que se beneficiavam da produção de cacau e, ao mesmo tempo, transferir o poder para os trabalhadores de classe baixa que trabalhavam na colheita, mas ele não esperava a destruição generalizada que se seguiu. Independentemente de essa admissão de culpa ser verdadeira ou não, não se pode negar que a produção de cacau na Bahia sofreu um golpe devastador do qual ainda não se recuperou.

Feijões
Em 2019, o Brasil foi ultrapassado pela Índia e Mianmar na produção de feijões secos, mas continua sendo o terceiro maior produtor do mundo, com uma safra anual de cerca de 3 milhões de toneladas, ou cerca de 11% da produção mundial. A produção de soja, por outro lado, teve um enorme período de sucesso no Brasil, aumentando mais de 3.000% nos 15 anos entre 1990 e 2005 e assumindo o primeiro lugar como a exportação #1 do país, avaliada em $26B USD em 2019.

Cana-de-açúcar
O Brasil ainda é o maior produtor de cana-de-açúcar do mundo, colhendo quase 673 milhões de toneladas em 2018. São Paulo é o maior produtor nacional, representando mais de 50% da safra nacional em 2020, com quase 342 milhões de toneladas.

Carne bovina e aves
Não é de se surpreender que um país tão famoso pelas churrascarias domine os setores de carne bovina e de aves. O rebanho bovino do Brasil quase triplicou entre 1960 e 2005 e, em 2019, representava 22,2% do rebanho mundial. E na América Latina, a carne constitui o maior segmento do mercado de alimentos, com um volume de US$ $86,24 bilhões em 2023. Prevê-se que o Brasil, o México e a Argentina continuarão sendo os maiores produtores de carne da região até 2030. O aumento dos preços dos alimentos está impulsionando o consumo de aves e suínos em relação à carne bovina, que é mais cara. Somente os brasileiros consumiram 44 kg per capita de aves em 2022.
Luta contra a COVID (2020-2022)
Em 2020, graças aos métodos de produção industrial, um clima naturalmente benéfico e 55.762.000 hectares de terras aráveis - o maior de todos os países do mundo - o Brasil era o quarto maior produtor de alimentos do mundo, alimentando 10% da população mundial. E então veio a COVID-19. Assim como outros países, o Brasil enfrentou problemas com a cadeia de suprimentos e com a mão de obra durante o auge da pandemia. O acesso restrito a locais de aquisição de alimentos frescos, como lojas e feiras livres, juntamente com a incerteza sobre a duração da pandemia e o aumento dos preços, levou os consumidores a comprar alimentos processados convenientes e estáveis em prateleiras e freezers. Nos primeiros seis meses da pandemia, agentes do setor de alimentos, como a PepsiCo e a Coca-Cola, doaram equipamentos médicos e alimentos processados, divulgaram informações sobre a COVID-19 e tomaram medidas para proteger os funcionários. Por incrível que pareça, embora o Brasil tenha sido o segundo país mais atingido durante a pandemia, o setor de processamento de alimentos registrou um faturamento 16,9% maior em 2021 do que no ano anterior, um impressionante R$922,5 bilhões ($171 bilhões de dólares).
Olhando para o futuro
Sustentabilidade
A pressão que a pandemia exerceu sobre as linhas de suprimentos causou preocupação de que as iniciativas sustentáveis fossem deixadas de lado, mas a sustentabilidade ainda é uma prioridade para os fabricantes de alimentos no Brasil. Entre o desmatamento, as emissões climáticas e os pesticidas, os fabricantes de alimentos estão enfrentando preocupações dos consumidores.
A tendência de alimentos limpos não se limita aos ingredientes naturais no rótulo; há uma pressão dos consumidores modernos para que adotem métodos de produção sustentáveis e de conservação ambiental. A pressão para evitar o desmatamento, bem como a conversão e a degradação de habitats naturais para a agricultura ou a pecuária, está ganhando força, especialmente à luz da necessidade projetada de dobrar a produção de alimentos até 2050.
Inflação
A inflação, afetada pelo impacto econômico da pandemia da COVID-19, por questões geopolíticas, pela crise climática e pela situação bancária global, afeta todas as etapas da produção de alimentos, desde os preços das matérias-primas e dos serviços até o preço final. Assim como as preocupações com a saúde e o meio ambiente, o aumento dos preços afeta os hábitos dos consumidores... mas também oferece uma oportunidade de inovação.
Tendências alimentares
O Brasil, assim como os EUA, está vendo um aumento nos alimentos "saudáveis": sucos e smoothies sem aditivos ou açúcar processado e proteínas de origem vegetal estão crescendo em popularidade, e há um esforço consciente para equilibrar a nutrição saudável com o consumo de carne. E, assim como a explosão do sourdough nos EUA, a panificação decolou durante a pandemia.
Os produtos lácteos - mais do que as alternativas à base de plantas - estão tendo um momento com os consumidores latino-americanos. A previsão é de que os refrigerantes continuem a ser a maior categoria de bebidas na América Latina, com uma receita esperada de US$ $52,1 bilhões em 2030, mas a popularidade das bebidas açucaradas está diminuindo, devido às preocupações dos consumidores com problemas de saúde relacionados ao açúcar. E o fim das restrições de lockdown teve um efeito positivo sobre as vendas de destilados.
Pelos números
O setor de alimentos e bebidas da América Latina deve registrar um crescimento estável no próximo período de cinco anos (2023-2028), apoiado pela expansão das exportações e pela crescente importância da região nas cadeias globais de suprimento de alimentos. No entanto, a inflação e a desaceleração do crescimento econômico impedirão a demanda interna e a expansão do setor alimentício regional. Espera-se que a receita do mercado de alimentos da América Latina cresça 12,53% anualmente entre 2023 e 2027. Espera-se que o Brasil continue sendo a força dominante no setor de produção de alimentos da América Latina, à medida que a produção de carne, óleo vegetal e gorduras animais se expande para atender à crescente demanda interna e externa. Espera-se que a produção de grãos cresça 27% e a produção de carne 24%, enquanto a área total de cultivo aumentará de 80,8 milhões de hectares para 92,3 milhões no Brasil nos próximos dez anos (2021-2031), impulsionada principalmente por aumentos no consumo doméstico. Essa previsão é favorável para o nosso escritório da Dennis Group Brasil, que está crescendo em ritmo recorde, pois continua a conquistar novos clientes e participação de mercado em um dos setores mais importantes do Brasil.